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Alguns Equívocos nas Estratégias de Transformação Digital

Alguns Equívocos nas Estratégias de Transformação Digital

Atualmente, ao acessarmos vários artigos, livros, revistas especializadas de gestão e tecnologia sempre nos deparamos com frases como:

  • “O digital está chegando e rápido!”
  •  “Nenhum setor industrial está imune à disrupção”
  •  “O digital vai transformar o seu negócio”

Uma leitura vertical e uma rápida análise destas publicações nos levam a concluir que a transformação digital irá acabar com a indústria em que atuamos e nós, indivíduos, iremos ser ultrapassados e ficar obsoletos. A menos que compremos estas publicações….

Vemos ainda uma profusão de treinamentos, cursos e abordagens “inovadoras” e disruptivas para praticamente todos tipos de setores e organizações. A ordem do dia é mover-se rápido e aplicar fórmulas e técnicas mirabolantes para ter mais criatividade e escalar as organizações tirando o máximo proveito das tecnologias disponíveis.

Sem dúvida concordo, ao menos em parte, com as afirmações e alarmes dos novos autoproclamados gurus da gestão, consultores e congressistas. Seria ingenuidade acreditar que nada vai mudar em todos negócios e setores, mas, ao mesmo tempo, não é razoável aplicar generalizações e simplificar os impactos independentemente das características de cada setor e organização.

Certamente, os impactos das tecnologias digitais na maioria dos “negócios normais” ou “clássicos” serão distintos daqueles observados nas gigantes digitais como Amazon, Google e Facebook e alguns conceitos e generalizações têm sido aplicados erroneamente e indistintamente. Vejamos a seguir alguns destes impactos em negócios tradicionais com base na abordagem de Vermeulen (2017).

1.      Efeitos de rede: O vencedor nem sempre pega todo mercado e valor

Tem sido proclamado que no mundo digital, o vencedor, invariavelmente, pega todo o mercado e a geração de valor. Muitos modelos de negócio que usam extensivamente tecnologias digitais têm propriedades do tipo “rede”. Isso significa que, quanto mais

usuários e provedores de conteúdo participantes, melhor funcionamento para o modelo de negócios.

As pessoas entram no “efeito manada” do Facebook pois a maioria dos parentes e amigos já fazem parte do aplicativo e então o Facebook recolhe muitos dados e atrai anunciantes no modelo clássico de plataforma ancorada em efeito de rede. Com este efeito de rede, muitos proclamam que o vencedor pegará todo o valor de mercado e esvaziará os competidores (neste caso o Myspace, Google+ entre outros). Por esta razão, empresas como o Uber necessitam crescer rápido e investidores não se preocupam em perder dinheiro no início da escalada.

Esta lógica funciona bem algumas vezes, mas em outras não. Isto porque redes raramente são exclusivas. Veja o caso dos motoristas de táxi e aplicativos ao redor do mundo que, invariavelmente, são cadastrados em dois ou mais aplicativos permitindo que aceitem uma chamada e automaticamente desliguem o aplicativo concorrente. Eles são parte de múltiplas redes competidoras.

Da mesma maneira, os usuários têm vários aplicativos em seus smartphones e podem escolher o serviço mais rápido e mais barato em cada situação.

Este é um exemplo de generalização equivocada de conceitos que podem levar a perdas e frustrações no médio e longo-prazos. Mercados susceptíveis a efeitos de rede podem sustentar múltiplas plataformas concorrentes e este efeito é multiplicado se considerarmos as possibilidades de integração lateral ou assimétrica de cadeias de valor.

2.      Complementares não são substitutos

Uma segunda interpretação e generalização equivocada de conceitos em disrupção digital é que uma nova tecnologia vai, invariavelmente, substituir outra tornando-a obsoleta.

De fato, temos vários exemplos de disrupção e substituição completa: o e-mail substituiu a máquina de fax, o Pen-drive substituiu o disquete e a Wikipedia substituiu as Enciclopédias impressas. Contudo, indústrias com substitutos perfeitos são a exceção: mais frequentemente as tecnologias digitais vão oferecer um novo complemento ao invés de um substituto.

Vejamos o exemplo do negócio da educação superior. Muitos proclamam que a aprendizagem “on line” vai tornar os professores obsoletos, que as universidades físicas serão substituídos pelas “on line” e que os MOOCs (“Massive open on line courses”) serão a norma. Mas ainda não há essa completa substituição e somente a invenção da escrita pode superar em magnitude os resultados da interação física entre professor e aluno. Enquanto não tivermos um holograma perfeito ou a capacidade de transferência cerebral de conhecimento e memória, os professores ainda terão seu lugar no aprendizado.

Modelos de negócios, vantagem competitiva e captura de valor são sistemas complexos e consistem em múltiplos elementos, tangíveis e intangíveis e que interagem uns com os outros. A combinação deles é que faz o sucesso do modelo. Capacidades digitais em alguns casos vão substituir algum elemento do modelo ou apenas adicionar um novo fator ao “mix” de capacidades atuais. Isso significa que, na maioria das vezes, a transformação digital vai complementar e alterar recursos e capacidades existentes, mas sem substituí-los todos juntos e simultaneamente. Ao estabelecer uma estratégia o ideal é identificar complementos e não assumir a completa substituição.

3.      A geografia ainda importa

Outro conceito tomado erroneamente como generalização é que a distância geográfica perdeu importância e que podemos nos comunicar instantaneamente com qualquer um e em qualquer lugar no globo. Mas a proximidade ainda importa apesar de atualmente termos a tendência de subestimar o valor da comunicação face a face.

Consideremos o negócio de consultoria empresarial. As firmas de consultoria sempre operaram de maneira estável com o modelo de negócios de aproximar projetos captados no mercado com consultores que elas contratam e treinam.

Novos modelos de negócios fomentam a consultoria com base em plataformas digitais que aplicam pesquisas de temas “on line” e constroem bases de dados robustas. Algumas plataformas digitais tentam aproximar oferta e procura com base em parâmetros e inteligência artificial e outras criam uma base de dados de consultores que são “escolhidos” por potenciais clientes. Mas nenhuma destas soluções obteve relevante escala e se consolidou pois subestimaram a relevância da interação humana. Na consultoria a habilidade de compreender as emoções humanas, as intenções e personalidades são fundamentais e é quase impossível fazer consultoria de qualidade sem estes fatores.

Um bom exemplo de transformação não digital (ou não apoiada na tecnologia) é a firma de consultoria Eden Mccallum. Eles criaram um “pool” de 20 sócios experientes que são encarregados de fazer a interação física periódica com mais de 700 consultores parceiros e 300 principais clientes.

A transformação digital parece ser mais efetiva em aspectos do negócio onde a interação face a face é menos importante.

4.      Velocidade, mas nem tanto

Umas das características da era digital que as pessoas continuam apregoando como mantra é que as mudanças são rápidas e como o mundo está mudando rápido as empresas também devem mudar rápido.

De fato, algumas pesquisas apontam que a velocidade de mudança mundial não tem crescido tanto e mesmo que seu setor esteja mudando rápido, isso não significa,

obrigatoriamente, que sua organização também deva mudar rápido (ao menos se dê o direito de avaliar se o contrário não seria melhor…).

Se você mudar rápido como a indústria em que está inserido, fatalmente corre riscos de cair em modismos. O banco ING decidiu embarcar e investir pesado na plataforma do “second life” e deslocou experientes executivos para estudar o modelo e colocar seus produtos e anúncios no mundo virtual tornando-os acessíveis aos avatares que eram criados. O investimento do banco foi perdido assim como as apostas de que esta plataforma seria uma nova base de negócios digitais.

Às vezes é melhor lidar com mudanças estruturais, conceituais e com a incerteza sem mudar tudo na organização. Ao menos de imediato, em algumas situações, é melhor observar e dar tempo aos acontecimentos, mas, atenção: isso não quer dizer não fazer nada! Definitivamente ignorar a transformação digital não é a melhor estratégia (veja mais em www.adrianoclary.com.br). Avaliar e analisar é o recomendado, pois, dependendo do nível de incerteza no mercado, somente o tempo irá tornar possível separar os modismos do que realmente é impactante e veio para ficar.

Pode parecer paradoxal, mas, em ambientes de rápidas mudanças, tentar acompanhar tal velocidade pode ser um tiro no pé.

Certamente a transformação digital está mudando a arena competitiva e as vantagens das organizações, mas estas mudanças não são uniformes em todas indústrias e setores. As tecnologias estão afetando e irão afetar os diferentes negócios em diferentes proporções e maneiras. Não perceber estas nuances pode levar seu negócio a sérios prejuízos. 

# Inovação # Transformação Digital # Tecnologia # Estratégia

 Referências

  • www.adrianoclary.com.br
  • Westerman George – Harvard Business Review press, 2017 – Liderando na era digital
  • Vermeullen, Freek – Harvard business review, 2017 – What so many strategies get wrong about digital disruption
  • Rogers, David – Autêntica business, 2017 – Transformação Digital Repensando seu Negócio para a era Digital
  • Sampaio, Rafael – Alta Books, 2018 – Vantagem Digital

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